Análise de letra de música - Geni e o Zepelin - Chico Buarque


A pedidos (by Gabi Sanfer) fiz a interpretação minha desta letra bem como sua análise, que para mim é uma das letras mais complexas e eu tinha dificuldades em entender, mas meu marido me ajudou (ele é ótimo com intepretações também e já analisou algumas músicas neste blog). Parabéns pela escolha! 

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Naquele esqueminha de sempre, letra em preto e análise em verde!

Geni e o Zepelim
Chico Buarque
Letra via Letras Terra

De tudo que é nego torto
Do mangue e do cais do porto
Ela já foi namorada
O seu corpo é dos errantes
Dos cegos, dos retirantes
É de quem não tem mais nada  Aqui retrata uma mulher (ou travesti), Geni, que já foi namorada dos caras menos desejados possíveis, podemos até supor que seja uma prostituta mas pode ser que não, pode ser apenas uma mulher que se interessa pelos menosprezados e oprimidos.

Dá-se assim desde menina
Na garagem, na cantina
Atrás do tanque, no mato
É a rainha dos detentos
Das loucas, dos lazarentos
Dos moleques do internato  Desde pequena ela está pelos cantos, nos lugares menos luxuosos, como garagem, mato e tanque, reforçando sua "opção" ou não pelo que é menos desejado e mais marginal da sociedade. Ou ela é uma marginal na sociedade e este foi o seu fim, pela falta de oportunidades.

E também vai amiúde (repetidas vezes, com frequência, a miúdo. "visitava a. o amigo")
Com os velhinhos sem saúde   Ela se interessava e estava sempre com idosos
E as viúvas sem porvir
Ela é um poço de bondade   Como é muito boazinha a cidade abusava de sua bondade
E é por isso que a cidade
Vive sempre a repetir

Joga pedra na Geni!
Joga pedra na Geni!
Ela é feita pra apanhar!
Ela é boa de cuspir!
Ela dá pra qualquer um!    
Maldita Geni!  
Aqui temos uma ideia de que pode ser sexualmente falando, porém pode ser no sentido figurado, uma pessoa que sempre ajuda os outros, está sempre lá pelos necessitados e é desprezada
                   
Um dia surgiu, brilhante
Entre as nuvens, flutuante
Um enorme zepelim  (balão dirigível rígido de invenção alemã, de formato alongado)  
Pairou sobre os edifícios
Abriu dois mil orifícios
Com dois mil canhões assim
Então chegou um balão gigante atirando em todo mundo na cidade

A cidade apavorada
Se quedou paralisada
Pronta pra virar geleia
Mas do zepelim gigante
Desceu o seu comandante
Dizendo: "Mudei de ideia!"
A cidade ia ser totalmente bombardeada mas o comandante do balão desceu, mudando de ideia. O que fez ele mudar de ideia?

Quando vi nesta cidade
Tanto horror e iniquidade   A cidade era ruim, haja visto o que faziam com Geni
Resolvi tudo explodir
Mas posso evitar o drama  Mas ele dá um ultimato pra cidade se a Geni o servir
Se aquela formosa dama
Esta noite me servir

Essa dama era Geni!
Mas não pode ser Geni!   O povo ficou chocado que o comandante queria justamente ela, a desprezada. Como assim? O povo ficou espantado, pois para eles, ela era uma descartável, uma ninguém, uma maldita.
Ela é feita pra apanhar
Ela é boa de cuspir
Ela dá pra qualquer um
Maldita Geni!

Mas de fato, logo ela
Tão coitada e tão singela  E ela de fato, tão simples e tão coitada, dada ao mundo como maldita, justamente ela conquistou o comandante, vistoso, temido e poderoso
Cativara o forasteiro
O guerreiro tão vistoso
Tão temido e poderoso
Era dela, prisioneiro   Ele era prisioneiro dela, o coração dele foi flechado e ele queria ela, apenas ela

Acontece que a donzela  Agora ela já não era maldita, mas donzela, veja como a música a trata diferente apenas pelo interesse 
(E isso era segredo dela)
Também tinha seus caprichos  Embora fosse uma pessoa de bom coração e se entregava para tantas pessoas desprezíveis e vivia sendo tratada como lixo, ela não gostava do tipo do comandante e preferia até ficar com os animais. Para ela, o comandante era desprezível.
E ao deitar com homem tão nobre
Tão cheirando a brilho e a cobre
Preferia amar com os bichos

Ao ouvir tal heresia  O povo achou de uma heresia tremenda pois o comandante era nobre e bonitão, poderoso (que aos olhos do povo é isso que importa, apenas aparências, interesse e temor)
A cidade em romaria  Todo mundo estava idolatrando ela pelo interesse, agora ela era a estrela, todos voltados para ela, pedindo e pedindo para ela ficar com o comandante
Foi beijar a sua mão
O prefeito de joelhos
O bispo de olhos vermelhos
E o banqueiro com um milhão  até mesmo o bispo (igreja) e banqueiro (ricos, burguersia)

Vai com ele, vai, Geni!
Vai com ele, vai, Geni!
Você pode nos salvar  Imploram a ela para que se entregue, já que ela dá pra "qualquer um"
Você vai nos redimir
Você dá pra qualquer um
Bendita Geni!  E até chegam a chamar ela de bendita

Foram tantos os pedidos
Tão sinceros, tão sentidos  Na visão dela, os pedidos eram sinceros e sentidos (porque tem um bom coração), que ela aguentou a barra e dominou o ranço que ela tinha pelo comandante e se entregou para ele para satisfazer os desejos e pedidos do povo
Que ela dominou seu asco 
Nessa noite lancinante
Entregou-se a tal amante
Como quem dá-se ao carrasco

Ele fez tanta sujeira
Lambuzou-se a noite inteira  Aqui mostra que o comandante usou e abusou dela, até o talo. Logo depois que se satisfez, nem se importou com Geni e partiu embora logo pela madrugada (ainda frio, nem o sol tinha nascido, ou seja, nem deu carinho para Geni ou se importou com ela)
Até ficar saciado
E nem bem amanhecia
Partiu numa nuvem fria
Com seu zepelim prateado

Num suspiro aliviado
Ela se virou de lado  Ela suspirou que tinha cumprido essa missão e que finalmente tinha acabado e até tentou sorrir 
E tentou até sorrir
Mas logo raiou o dia
E a cidade em cantoria  Mas não deu um momento de paz para Geni, o povo já mostrou as caras novamente, caindo as máscaras e voltando ao que eram e são, usurpadores hipócritas e opressores.
Não deixou ela dormir

Joga pedra na Geni!
Joga bosta na Geni!
Ela é feita pra apanhar!
Ela é boa de cuspir!
Ela dá pra qualquer um!
Maldita Geni!

Joga pedra na Geni!
Joga bosta na Geni!
Ela é feita pra apanhar!
Ela é boa de cuspir!
Ela dá pra qualquer um!
Maldita Geni!

Geni pode ser aquela pessoa que sempre se entrega pelos outros e sempre faz tudo que o pessoal pede porque tem um bom coração, mas as pessoas vão abusando e abusando e abusando até chegar num ponto em que Geni começa a sofrer e as pessoas a tratam mal. 

Agora, a realidade, apresentada pelo próprio Chico Buarque (que pesquisei): é uma das músicas da peça Ópera do Malandro, peça que ele mesmo criou. E Geni é um travesti.

Eu gostei muito da análise da Tânia Barros nos comentários deste site: "nesse texto observa-se que Chico faz uma analogia há Maria Madalena a quem Jesus Cristo salvou de ser apedrejada, ou seja a discriminação pelo fato dela já haver tido vários namorados apontando-na assim como se ela fosse uma prostituta mais quando o autor cita que ela era uma donzela e que tinha isto em segredo quis nos precaver de que as aparências enganam e que muitas vezes quem apedrejamos pode ser de quem precisaremos nos futuro e ainda depois de satisfazermos nossas necessidades através da mesma podemos não reconhecer o que foi feito e continuarmos a descriminar"  e Fábio contribuiu também com mais informações que achei deveras interessante: "POSSO ACRESCENTAR QUE MARIA MADALENA …NOME USADO PELA BÍBLIA MAS QUE NA REALIDADE SUA ORIGEM ERA GREGA ,E DE PROSTITUTA NÃO TINHA NADA, SUA FAMILIA ERA DO NEGOCIO DE PESCAS , APENAS ERA DE UMA CULTURA MAIS LIVRE , A DIFAMAÇÃO DE MAGDALA ,VEIO ATRAVÉS DA POLÍTICA APLICADA PELO PAPA GREGÓRIO PARA DESCARACTERIZAR UMA POSSÍVEL REVINDICAÇÃO AO MINISTÉRIO CATÓLICO IMPERIALISTA QUE SE DESENVOLVIA" e também a interpretação de Paulo Ricardo Bittencourt: "Acredito que esta musica faz um paralelo, uma analogia…com o brasil da epoca que foi escrita..um brasil de todos , que se vende facil, que é enganado, onde nos fazem promessas e tal e depois continuam anos cuspir, a nos usar…".

Amei também a interpretação de Sérgio Soeiro: "Entretanto, seguramente, Chico faz uma crítica social, principalmente à hipocrisia dos membros da entidade conhecida como TFP (Tradição, Família e Propriedade) que se organizou na década de 60 para fazer frente aos ideais revolucionários dos estudantes, artistas, etc.
Chico usa uma estória surreal, intencionalmente exagerada de fantasia, para mostrar que a sociedade pode ser muito hipócrita com um de seus membros, somente pelo fato deste ser “diferente” do que prega os costumes vigentes e tradicionais.
Desta forma, somente por ser homossexual Geni é escorraçado por aquela sociedade, que não reconhece nenhum de seus valores, mas não se furta em bajulá-lo, quando ele se torna conveniente e “útil”, para, em seguida, após satisfeita em seus interesses, voltar a humilhá-lo, numa espécie de moto-contínuo eterno.
No texto da música Chico endereça sua crítica a instituições específicas, que ele considera como sendo poços de hipocrisia, tais como: as autoridades (“o prefeito de joelhos”), a Igreja (“O bispo de olhos vermelhos”) e os Burgueses (“O banqueiro com um milhão”)."

Enfim, nesse site tem muita interpretação boa das pessoas, vale a pena ver.
Me lembro do filme Dogville, em que a protagonista Grace faz muitos favores para todos, pois é boazinha. Vale a pena ver! Vocês verão que tem a ver com essa música mesmo que indiretamente. 

Essa música me lembra um pouco a história de Noé (claro que com outro final). É como se Geni fosse poupada e fosse até o Zepelin (Arca) e Deus que não é mau, fez o dilúvio contra as pessoas más e poupou Geni, uma pessoa boa. Enfim, esse é um link q eu faço bem viajado, mas na minha cabeça tem um pouco a ver.

Essa música te faz lembrar alguma outra história ou filme? Conta pra mim nos comentários!

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